domingo, 14 de março de 2010

Sobre o terremoto

O texto abaixo escrevi um dia depois do terremoto, e mandei por email. Publico pelo histórico, e tambem porque vale comparar como a percepcao da gente muda quando aumenta o nosso conhecimento... Continuo admirada do quao resistentes sao as construcoes por aqui, mas as consequencias do terremoto foram bem maiores do que a minha vista alcancava entao:

Moramos no 20º andar de um prédio em Santiago. Com o terremoto, nosso apartamento balançou muuuuito, parecia um barco em tempestade no alto mar. Pulamos da cama as 4 da manha com o sacolejo forte, e a cama ainda tem rodinhas, que é uma das coisas mais imbecis em um lugar de possibilidade de terremoto.... mas enfim, tudo caía ao redor, os quadros, a cômoda virou, gavetas saltavam dos armários despejando o que tivesse dentro, a TV caiu em cima da cama. Eu tentei ficar agachada conforme ensinaram, ao lado de um móvel que proteja a cabeça. Só que o único móvel que não tinha nada em cima que pudesse cair na cabeça, era justamente a malfadada cama com rodinha, que ia ao sabor das ondas... Meu marido saltou da cama e tentou caminhar até onde estava a minha filha, no outro quarto, mas era impossível. Tentou ir engatinhando, e nem assim conseguiu... é desesperador. Ele se arrastou ate a porta na escuridão, e conseguiu abrir-la, foi quando o tremor diminuiu.
Corri para o quarto dela, e dou de cara com a menina sentada em cima da cama, que tinha ido parar do outro lado do quarto (graças às famigeradas rodinhas), e segurando a TV, pra não cair por cima dela... o espaldar, que não é fixo, tinha caído por cima da cama, justo onde antes estava a cabeça dela. Na cozinha e na sala, parecia um cenário de guerra: tudo no chão, quebrado. O lustre da sala balançou tanto que se destroçou contra o teto, deixando-o todo marcado.
Outro sufoco foi encontrar o cachorro: com o movimento, a porta da varanda onde ele fica abriu. Chamei, chamei na escuridão, e ele não respondia. Eu já nem queria procurar, como medo de encontrá-lo imprensado contra algum móvel. Meu marido confessou depois que havia pensado que ele tinha sido arremessado pra fora (apesar de que no apartamento tem malha na varanda, mas nessa hora a gente não raciocina direito). Bem, no final das contas, fomos checar o que tinha acontecido no quarto de hospedes, lá estava ele em cima da cama abanando o rabo, o mais tranqüilo e esperto dos quatro moradores deste apartamento...
Sem luz, encontramos a lanterna e vemos os estragos pelo apartamento. A vista da cidade, antes um mar de pequenas janelas iluminadas, agora apenas permite ver os grandes vultos dos prédios sob a escassa luz da lua cheia. Na rua, bastante movimento de veículos, muita gente descendo dos prédios. A gente fica sem saber o que fazer: na minha lógica, estamos mais seguros em casa, mas vemos vários carros saindo da garagem e parando na rua. Optamos por ficar em casa mesmo. De manha, o desespero era por tentar se comunicar com os parentes e amigos no Brasil. Já tínhamos luz, mas nada de internet nem de telefones. Um amigo conseguiu ligar pra nós, e ele foi quem deu a boa noticia pra galera no Brasil de que estávamos bem. Só às 11hs conseguimos ficar comunicáveis. O sábado passou com vários tremores, de diferentes intensidades. Fomos ao parque, algumas famílias faziam piquenique e desfrutavam o dia, longe de prédios e precavidamente, de arvores também... Conversando com os vizinhos, vimos que os estragos podiam ter sido piores: as TVs deles caíram no chão; no corredor, as lajotas de cerâmica descolaram do concreto, e no andar de baixo o teto caiu. Mas fora isso, não vimos nenhum dano estrutural no prédio, que já tem seus 8 anos... É admirável a flexibilidade destas construções.
Aos poucos, vamos tranqüilizando e acostumando com os tremores, na esperança de que, depois de um tremor tão forte, não deve passar nada mais... Mas hoje, domingo de manha, balançou forte. Não caiu nada, mas deu pra assustar de novo. Só que aqui em Santiago, as estruturas são muito boas, então a vida está quase normal. Já fomos ao supermercado (que estava lotado) e almoçamos fora, os restaurantes aos poucos vão abrindo. As filas nos postos de gasolina estão enormes, mas o abastecimento esta normal. Aqui por onde moramos, nada parece estar afetado. Me chamou a atenção que nas vitrines de lojas de roupa, os manequins estão em pé...
Os estragos foram menores do que poderiam ter sido, principalmente porque este aqui é um país sério. Impressiona a capacidade de organização e reação: quando a luz voltou, às 8h da manha, a presidenta (que está saindo do Governo) já estava na TV dando as noticias possíveis, todos os ministros (que também terminam o mandato agora 11 de Março) se revezavam transmitindo informações e todos com um discurso claro, seguro e alinhado no sentido de levar calma a população.
Assim que, apesar do susto, temos a confiança de que estamos em um país que se preocupa e trabalha pela segurança da população. Aqui seguiremos para ajudar no que pudermos a este povo batalhador retomar seu caminho de crescimento. Fuerza Chile!

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